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Em um texto anterior no blog da Pearson Higher Ed, escrevi sobre a Sociedade e a Educação 5.0. A ideia central do 5.0 é promover o ser humano à posição de ponto central do avanço tecnológico. Em outras palavras, é conferir um propósito á tecnologia, não desenvolver apenas por desenvolver, não fazer um desenvolvimento sem alma, por assim dizer. Dessa forma, novas soluções deveriam visar o bem comum. E o meio ambiente, alguém poderia perguntar? Boa pergunta, a ideia de bem comum certamente inclui a sustentabilidade.
Para a Comissão Europeia (European Comission, 2024), já estamos na vigência da Indústria 5.0, modelo que prioriza a prosperidade - conceito importante para a Sociedade 5.0 - para além do crescimento econômico tradicional. Essa seria também uma forma de respeitar os limites ambientais do planeta.
Está cada vez mais claro que qualquer processo produtivo será realizado por meio da colaboração entre o ser humano e a tecnologia (Pereira & Santos 2022). Dentro dessa perspectiva simbiótica, a ideia de promover o bem-estar do ser humano e de respeitar os limites do planeta deveria priorizar "modelos de produção circulares e o uso mais eficiente dos recursos naturais" (TGS Consultoria, 2023).
Portanto, não deveria ser uma surpresa que a procura por habilidades ambientais aumente rapidamente. De acordo com o Relatório Global de Competências Ambientais do LinkedIn (2024), a procura por talentos verdes aumentou 11% entre 2023-24 enquanto a oferta cresceu apenas 5% durante o mesmo período.
Já diz a ciência econômica que sempre que a demanda supera a oferta, o valor de mercado do bem ou serviço sobe. E, de fatos, esses profissionais estão usufruindo de um aumento em suas remunerações. Mas, além das consequências individuais, esse desequilíbrio ameaça a conquista das metas climáticas globais, daí a urgência. O relatório afirma que metade das vagas de trabalho relacionadas à economia verde não serão preenchidas caso o número de profissionais capacitados na área verde não duplique até 2050. Por outro lado, profissionais atualizados e capacitados em questões ambientais terão uma chance mais do que 50% maior de serem contratados do que candidatos em geral. Em economias avançadas, essa vantagem será até maior. Por exemplo, nos EUA e na Irlanda, a diferença pode chegar a 80% a favor dos profissionais verdes.
O artigo da SGI Europe sobre “Competências Verdes em Educação e Formação Profissional” oferece uma definição para habilidades verdes que inova ao distinguir entre habilidades técnicas (hard skills) e habilidades interpessoais (soft skills). Ou seja, está-se falando de competências interpessoais verdes. Hein?
Fonte: SGI Europe, 2022
Um bom exemplo de uma competência transversal ambiental é a de Compras Sustentáveis, a competência verde que mais se destacou em 2024, segundo o relatório do LinkedIn. Mas qual é a diferença entre um comprador e um comprador sustentável? Bem, este último busca não só garantir a viabilidade econômica do relacionamento com o fornecedor, como também diminuir os impactos ambientais e fomentar práticas socialmente responsáveis em toda a cadeia.
De forma mais ampla, as empresas estão percebendo que a implantação de estratégias que reduzam o impacto ambiental, promovam responsabilidade social, e garantam uma governança eficiente depende da presença de profissionais verdes em sua força de trabalho (TOTVS, 2024).
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Há muitos anos que eu já percebia o interesse dos jovens em sustentabilidade e em desenvolver habilidades necessárias para ter sucesso em um ambiente profissional mais sensível às questões ambientais. Muito antes mesmo de eu conhecer os conceitos da Sociedade e da Educação 5.0. Essa é uma das vantagens de estar em contato próximo aos jovens; temos a oportunidade de acompanhar as mudanças que ocorrem na sociedade.
No entanto, apesar do crescente interesse por parte dos estudantes nessa temática , havia dificuldades em adaptar os currículos para incluir assuntos emergentes transversais. Havia muita resistência, entre o corpo docente, à visão de que o desenvolvimento de habilidades e competências verdes não deveria se restringir a cursos diretamente ligados ao meio ambiente. A substituição de conteúdos tradicionais da formação por novos conteúdos, ligados à sustentabilidade, colocava os professores diante de escolhas difíceis.
No entanto, reforçando os insights do relatório do LinkedIn, temos depoimentos como o de Grazielli Parentti, executiva global do Grupo Syngenta. Durante um painel organizado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI, 2024), ela destacou o aumento de oportunidades de trabalho na área ambiental, enfatizando a distinção entre funções técnicas e gerenciais no contexto verde empresarial.
A Revista Exame (2024) oferece um boa visão global das habilidades ambientalmente conscientes demandadas pelo mercado de trabalho atual.
Desenvolver essas habilidades requer abordagens de aprendizagem variadas devido à sua natureza interdisciplinar, portanto complexa.
Competências verdes são interdisciplinares em sua essência, portanto o desenvolvimento de programas que integrem disciplinas tradicionais passa a ser uma prioridade. Unindo áreas como economia, engenharia, ciências ambientais e sociais, os estudantes deveriam desenvolver uma visão abrangente de problemas ambientais. Conforme ressaltado pelo World Economic Forum (2024), “as lacunas de competências em energia limpa podem variar conforme a localização geográfica e o setor industrial".
A aprendizagem baseada em projetos permite que estudantes de fato apliquem conceitos teóricos em situações reais e desenvolvam competências variadas, tanto técnicas quanto socioemocionais. Juan Miguel Poyatosm, diretor do Mestrado em Indústria 4.0 da Escola de Organização Industrial (EOI), destaca que o perfil profissional ideal da economia sustentável é o de um colaborador “digitalizado, com olho no futuro e engajado". A execução de projetos práticos que enfrentam desafios genuínos de sustentabilidade desempenha um papel essencial na construção desse perfil tão valorizado (Amo, 2022).
Eu sempre defendi a ideia de que os professores são atores fundamentais no processo de aprendizagem e, dessa forma, a formação continuada do corpo docente dever ser priorizada. Andrade et al. (2024) demonstram claramente a importância dessa atividade na implantação de novos métodos e currículos diferenciados. Infelizmente, segundo o relatório Horizon da EDUCAUSE de 2024, os educadores ainda não estão preparados para lecionar assuntos relacionados à sustentabilidade e desafios complexos. Acredito que o lifelong learning docente possa ser um caminho para superar essas dificuldades.
Centros de Excelência Profissional dedicados à sustentabilidade são uma estratégia valiosa para conectar a academia e a empresa para solucionar problemas reais. Como exemplo, podemos citar o programa ALLVIEW, que promove a modernização da educação relacionada à indústria madeireira e moveleira por meio de parcerias regionais e internacionais (CETEM / ALLVIEW, 2023).
As competências verdes dos estudantes podem ser certificadas para complementar os diplomas tradicionais e evidenciar as habilidades adquiridas pelos graduados. Microcredenciais que possam ser apresentadas no perfil do LinkedIn, por exemplo, permitiriam aos estudantes se destacar justamente nas dimensões mais procuradas pelas empresas.
Incluir novas competências no currículo não deixa de ser um processo de experimentação contínua, com acertos e erros. Algumas experiências brasileiras podem servir de inspiração para outras IESs que queiram seguir essa mesma trajetória.
Em tempo, segundo os rankings mais recentes da UI Green Metric (2023 e 2024), o Brasil vem se consolidando como o segundo país da América Latina com mais universidades verdes, ficando atrás somente da Colômbia. As universidades brasileiras que aparecem no ranking se destacam em infraestrutura sustentável, excelência em educação e pesquisa em sustentabilidade, e gestão de recursos hídricos. Vamos conhecer um pouco mais sobre essas experiências nacionais, mas de renome internacional.
A USP, que ocupa o quinto lugar global, é a isntituição latino-americana melhor posicionada no ranking da UI Green Metrics. Projetos implantados incluem eficiência energética, gestão de resíduos e a implantação de ônibus elétricos nos campi. A universidade também promove pesquisas avançadas sobre sustentabilidade e promove a integração de práticas ambientais em suas grades curriculares (USP, 2025).
A UFLA, que ocupa a 35ª posição global entre as universidades mais sustentáveis, se destaca por sua excelência no ensino e pesquisa relacionados ao tema. O Plano Ambiental integra práticas sustentáveis aos currículos e às atividades administrativas. Ele garantiu pontuação máxima nas categorias "Educação e Pesquisa" e "Recursos Hídricos". Graças à implantação efetiva das ações previstas nesse planejamento, a instituição melhorou a preservação da água e reduziu a pegada ambiental no campus (Universidade Federal de Lavras - UFL.A., 2025).
Graças a projetos como o IFSOLAR, o IFSULDEMINAS ocupa a 60ª posição no ranking da UI Green Metrics. Este projeto, como o nome sugere, é focado no aumento da produção de energia limpa; já o IFPLUVIAL é voltado para o aproveitamento da água da chuva. A instituição também se destaca pela inclusão da temática sustentabilidade nos projetos pedagógicos dos cursos (IFSULDEMINAS, 2024).
Iniciativas como o Jardim Botânico UFMS e a Sala Verde UFMS garantiram à instituição o 68º lugar global no ranking da UI, que também conta com o Parque da Ciência e com um eletroposto destinado a veículos elétricos. Pensando em uma maior visibilidade das ações e sensibilização da comunidade de forma mais ampla, são realizados eventos como a Semana Lixo Zero (UFMS, 2024).
A Unicamp, 76ª posição no ranking de 2024, fez uma opção por se aprofundar na infraestrutura sustentável de serviços, como o manejo de água e energia, e o tratamento de resíduos. Uma iniciativa interessante, que denota a interdisciplinaridade das questões ambientes, foi a melhoria da coleta de dados das áreas verdes no campus (Unicamp, 2023).
A Sociedade 5.0 e a Indústria 5.0 requerem o desenvolvimento de habilidades interdisciplinares. Uma formação profissional que inclua essas competências é importante até mesmo para cumprir as metas climáticas internacionais. Para isso, está claro que precisamos rever programas e metodologias de aprendizagem.
Em função do interesse dos jovens e da necessidade das empresas, esta é mais uma oportunidade de diferenciação para as Instituições de Ensino Superior. A inclusão explícita de competências ambientais no currículo pode conquistar mais estudantes para os cursos abertos e, quem sabe, maior abertura para oferta de cursos fechados para empresas.
O Brasil se destaca como o segundo país da América Latina com mais universidades verdes listadas no ranking UI Green Metric e possui potencial para se tornar um líder na promoção de habilidades sustentáveis na região. As experiências positivas das universidades brasileiras oferecem inspiração através de iniciativas como infraestrutura sustentável na USP e gestão eficiente de recursos hídricos na UFLA e energia limpa no IFSULDEMINAS. Essas instituições demonstram que a adoção de práticas sustentáveis, tanto no campus quanto no currículo, não apenas prepara os estudantes para o mercado como também contribui para um futuro mais ecologicamente equilibrado. Que possamos nos espelhar nessas referências e promover o aprimoramento das habilidades sustentáveis em nossos currículos.