Descubra como os jogos podem promover o desenvolvimento de competências, habilidades, conhecimentos e atitudes positivas nos estudantes.

Os jogos sempre exerceram uma atração enorme sobre as pessoas. Em termos históricos, é uma atividade que acompanha a humanidade há pelo menos cinco mil anos. Por exemplo, o primeiro jogo de dados registrado foi o Jogo Real de Ur, jogado na Mesopotâmia já por volta de 3.000 a.C. com dados em formato piramidal e tabuleiro de madeira. Os jogos com dados, que incluíam o elemento sorte, se tornaram tão populares que o termo “jogo de azar” foi criado a partir da palavra do árabe que designa dados, al-zahr.

Mas não era somente na Mesopotâmia que as pessoas jogavam. Por exemplo, no vale do Indo, na Índia antiga, foram localizados dados de terracota datando também de cerca de cinco mil anos atrás.

Jogos foram utilizados, ao longo da história, com diversas finalidades, inclusive para a aprendizagem. Até mesmo Platão e Sócrates defendiam o uso de jogos como ferramenta de aprendizagem e jogos como xadrez e Go foram utilizados para desenvolver concentração, pensamento lógico e habilidades estratégicas.

Nada mais natural, portanto, que continuemos a utilizar jogos, com toda a tecnologia atualmente disponível, em nossas salas de aula.

O que é gamificação?

O que é gamificação?

As possibilidades dos jogos atuais superam em muito o tabuleiro de Banco Imobiliário em que eu me debruçava por horas quando era adolescente, ou de War. Porém, alguns elementos básicos sempre estiveram presentes nos jogos e nesta seção veremos alguns dos principais.

Karl Kapp (2012) define gamificação como “a aplicação de elementos de design e dos princípios dos jogos em contextos de não jogo”. Para ele, os jogos possuem alguns pontos fundamentais: são histórias que representam modelos simplificados de uma realidade complexa, que possuem regras, metas e sistemas de pontuação, envolvem competição e/ou cooperação, dentro de um tempo limitado, com estruturas definidas de recompensa e feedback. Ou seja, tudo aquilo de que nossos cérebros gostam.

Kapp também alerta para aquilo que gamificação não é. Esta contextualização é importante pois pode-se perceber uma certa banalização do termo, que acaba sendo aplicado a experiências de aprendizagem que ficam muito aquém das possibilidades oferecidas por um design instrucional mais refinado.

Para ele, o primeiro erro é confundir gamificação com o uso unicamente de badges, pontos e recompensas. Na verdade, ele considera que estes são os elementos menos efetivos dos jogos, que deveriam ser mais centrados em uma boa estória, gerando engajamento e promovendo resolução de problemas.

Além disso, gamificação não significa uma desvalorização da aprendizagem real. A aplicação bem sucedida de jogos em cenários que vão de vendas à medicina mostra que a aprendizagem gamificada pode ser exigente, desafiadora e até mesmo estressante. Jogos bem projetados (as ideias de projeto e intencionalidade são centrais ao design) promovem o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e atitudes positivas, ou seja, de competências completas.

Por outro lado, não é porque o uso de jogos pode ser adaptado a múltiplas situações que eles sejam adequados a qualquer situação. E, até pensando na utilização de estratégias de aprendizagem variadas, me parece mesmo que um curso inteiro baseado unicamente em atividades gamificadas pode ficar cansativo e até maçante. Deve haver espaço para atividades de naturezas diferentes. De vez em quando, uma boa e velha palestra pode ter seu lugar.

Portanto, vimos que gamificação é um conceito que envolve diversos elementos e que, para justificar ser chamada de gamificada, uma atividade deve partir dos objetivos de aprendizagem e envolver mais do que unicamente o uso de pontos e premiações. Estes elementos têm seu valor e seu lugar, mas sem uma narrativa e sem o foco nas competências, eles perdem o valor.

A psicologia da aprendizagem gamificada

Várias hipóteses foram propostas para explicar as razões pelas quais jogos mantêm o interesse do usuário e promovem aprendizagem. Entre elas, podemos destacar a Teoria da Autodeterminação e a neurociência.

Smirani e Yamani (2024) destacam que atividades gamificadas estão muito alinhadas com a visão da Teoria da Autodeterminação de que o nível de motivação das pessoas aumenta quando três necessidades básicas estão supridas: (1) autonomia - sensação de ter controle sobre as escolhas e o percurso; (2) competência - percepção de que estamos evoluindo por meio de desafios atingíveis, que nos exigem no ponto certo; e (3) pertencimento - sensação positiva de nos sentirmos conectados e afiliados a um grupo que seja importante para nós, o que pode ser atingido por meio da criação de equipes e interações entre pares.

Essa visão do funcionamento da gamificação sobre o engajamento reforça a importância do bom projeto, pois não é evidente que todo e qualquer jogo atenda a todos esses requisitos. Kapp, por exemplo, reforça o perigo que jogos muito fáceis ou muito difíceis representam sobre o engajamento do usuário, ou do estudante.

Para Fauzi (2025), outra razão pela qual jogos são tão atraentes tem a ver com a sensação de prazer proporcionada pelo disparo de dopamina a cada vez que uma tarefa é concluída e uma missão é realizada com sucesso.

A dopamina é disparada no cérebro a cada reforço positivo emitido pelo jogo. Na medida em que o feedback em uma atividade gamificada pode ocorrer continuamente, o jogador estará sempre procurando ir mais longe e se superar. Essa liberação de dopamina está associada ao aumento da motivação no nível neuronal, transformando o aprendizado em algo divertido.

Leia mais: Pearson Connected Learning: o futuro da aprendizagem com inovação e inteligência artificial

Implantando atividades gamificadas no ensino superior

Se você já leciona há algum tempo, muito provavelmente já tem experiência com o uso de dinâmicas e, talvez, o que seja realmente novo na proposta mais formal da gamificação seja a maior ênfase no projeto, assim como as possibilidades ampliadas que vêm com as novas tecnologias.

O princípio de tudo está nos objetivos de aprendizagem: o que você almeja que os estudantes desenvolvam ao longo de seu curso? Quais competências deverão ter sido dominadas ao final? Essa integração curricular é o passo fundamental que irá separar uma simples atividade lúdica de uma atividade de aprendizagem. Ao cumprir este requisito, nos alinhamos com o que John Dewey já defendia, em “Democracia e Educação” (1930), sobre a necessidade de alinhar as atividades com os objetivos escolares.

O passo seguinte é considerar o potencial de todos os elementos da gamificação. Como vimos, limitar-se a um sistema de pontuação, por exemplo, significa oferecer uma experiência limitada ao estudante.

Portanto, selecione elementos variados para incluir na experiência. Contextualize a jornada com uma boa narrativa, que permita ao estudante traçar paralelos entre o jogo e a sua experiência real de vida.

Outro ponto a se considerar é a duração da atividade e aí cabem alguns cuidados até de ordem logística. Por exemplo, se a experiência tiver a duração de uma aula somente, considere distribuir materiais antecipadamente para que o encontro possa ser melhor aproveitado. No entanto, deve-se alertar para o fato de que, em Li et al. (2023), experiências semestrais oferecem melhores resultados do que experiências mais curtas.

Para Li et al., o referencial MDA, inicialmente proposto por Hunicke et al. (2004), oferece um caminho estruturado para o educador desenvolver uma atividade. Este modelo se tornou amplamente aceito e foi identificado como o mais influente em gamificação. Os autores afirmam que:

“Ao utilizar o sistema MDA como referencial, educadores ou docentes podem projetar e implementar a gamificação educacional de forma mais eficaz, resultando no aprimoramento dos resultados de aprendizagem dos estudantes”. — Li et al. (2023)

O modelo MDA orienta o desenvolvedor a proceder na ordem da sigla, pensando primeiro na mecânica do jogo, depois na dinâmica e somente então na estética. Hunicke e colaboradores descrevem cada um dos elementos da seguinte forma:

Fluxograma-modelo-mda-aprendizagem-gamificada

 

Tudo isso, no entanto, pode ser muita coisa para docentes já sobrecarregados com as demandas recorrentes do dia a dia docente implementarem. Portanto, uma outra opção é utilizar plataformas prontas, como o Personabilities, da Pearson, e outras mais focadas em jogos, como Kahoot!. Sem dúvida, plataformas digitais oferecem um ganho de tempo e produtividade ao docente e à instituição, principalmente considerando que normalmente os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAs, ou LMS em inglês) não trazem, de forma nativa, possibilidades de gamificação.

Leia mais: Personabilities: fortalece as habilidades interpessoais dos estudantes

Amin et al. (2024) sugerem um processo de implantação de plataformas externas em quatro etapas, terminando com a avaliação e ajustes constantes. São elas:

Fluxograma_processo-de-implantacao

Como esperado, o ciclo proposto por Amin e colaboradores começa com a análise dos objetivos de aprendizagem da disciplina. Esse sempre deve, forçosamente, ser o início de qualquer esforço de gamificação e de mudança curricular em geral. No caso específico de uso de plataformas tecnológicas, é a tecnologia a serviço da aprendizagem e nunca o contrário.

Conclusão

Hoje fala-se muito em evidências e educadores são cobrados por alinhar suas estratégias de aprendizagens àquelas que oferecem melhores resultados em estudos internacionais. Isso não é ruim, muito pelo contrário, mas exige dos docentes um olhar novo e fresco sobre suas práticas. A gamificação certamente faz parte desse arsenal renovado que pode ser integrado à prática docente no ensino superior.

É muito comum medir resultados de intervenções pedagógicas em três dimensões, engajamento, motivação e resultados de aprendizagem. A gamificação tem efeitos positivos sobre todas as três.

Embora implantar estratégias gamificadas de aprendizagem certamente exija um esforço inicial por parte do docente, que não deve ser desconsiderado, pois trata-se de um tempo significativo que deve ser dedicado a esta tarefa, a adoção de plataformas externas e a implantação paulatina, pouco a pouco, começando por um ou dois objetivos específicos, tornam o desafio aceitável. Se pararmos para pensar, isto é exatamente o que queremos oferecer aos nossos estudantes, a superação gradual de desafios crescentes em complexidade, de forma a acompanhar o desenvolvimento constante das habilidades. Ou seja, a adoção gradual de estratégias gamificadas pode ser considerada em si mesma uma atividade gamificada que contribui para o desenvolvimento de novas habilidades docentes. Habilidades estas que o diferenciarão junto aos estudantes.

Portanto, se ainda tem dúvida sobre o que fazer e por onde começar, debruce-se sobre seus documentos de planejamento de curso e de aula e prossiga a partir daí. Os resultados irão surpreender seus estudantes e a você mesmo.

 

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Referencias

Amin, M. M., Wan Shamsuddin, S. N., & Wan Hamzah, W. M. A. F. (2024). Enhancing Engagement in Learning Management Systems Using Gamification Framework. The International Journal of Multimedia & Its Applications (IJMA), 16(5), 21–30. DOI:10.5121/ijma.2024.16502

Dewey, J. (1930). Democracy and education: An introduction to the philosophy of education (Vol. 8). New York: Macmillan.

Fauzi, A. R. (2025). Gamification in Education: Benefits, Challenges, and Future Trends. Cebirra.

Hunicke, R., LeBlanc, M., & Zubek, R. (2004, July). MDA: A formal approach to game design and game research. In Proceedings of the AAAI Workshop on Challenges in Game AI (Vol. 4, No. 1, p. 1722).

Kapp, K. M. (2012). The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. John Wiley & Sons.

Li, M., Ma, S., & Shi, Y. (2023). Examining the effectiveness of gamification as a tool promoting teaching and learning in educational settings: a meta-analysis. Frontiers in Psychology, 14. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2023.1253549

Smirani, L., & Yamani, H. (2024). Analysing the Impact of Gamification Techniques on Enhancing Learner Engagement, Motivation, and Knowledge Retention: A Structural Equation Modelling Approach. Electronic Journal of e-Learning, 22(9), 111–124. https://doi.org/10.34190/ejel.22.9.3563

 

Alexandre Gracioso
Alexandre Gracioso

Profissional com mais de 20 anos de experiência no ensino superior. Especializou-se em aprendizagem, desenvolvimento de competências socioemocionais e formação de líderes. De natureza inquieta, procura estar sempre atualizado das principais tendências referentes ao desenvolvimento humano e competências para o mercado de trabalho. Em suas atividades docentes, procura equilibrar a abordagem pessoal com as possibilidades tecnológicas. Recentemente, tornou-se sócio da Ideasense, empresa focada no desenvolvimento de Life Skills em organizações.

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