A autorregulação da aprendizagem é um processo de autorreflexão e ação em que os alunos estruturam, controlam e avaliam sua própria aprendizagem.
- O que é autorregulação na aprendizagem?
- Autorregulação e os processos cognitivos
- A autorregulação na aprendizagem
3.1 Autorregulação a partir da metacognição
3.2 A autorregulação a partir da volição
3.2.1 Falhas no processo volitivo
3.2.2 Ações contra as falhas volitivas
3.3 A regulação emocional - 7 estratégias para orientar seus estudantes para a autorregulação
A sociedade está em constante mudança e a pandemia tem sido um exemplo claro de uma mudança acelerada em nosso estilo de vida. Certamente você começou a notar diferentes tipos de reuniões, diferentes maneiras de fazer as mesmas tarefas ou mesmo habilidades diferentes que você teve que desenvolver para lidar com esse período.
Atualmente no nosso dia a dia, precisamos de habilidades específicas para enfrentar os novos desafios, mas que habilidades devo desenvolver? Quais são as mais essenciais para o ambiente educacional virtual?
Existe uma habilidade que é pouco falada, mas que é uma habilidade central para o desenvolvimento de qualquer ser humano, estou falando sobre a capacidade de autorregulação. Você pode se perguntar o que é autorregulação? O que quer dizer sobre habilidade central?
Convido você a iniciar comigo uma jornada para a autodescoberta e para a busca de uma habilidade que lhe permita alcançar todos os seus objetivos. Acompanhe!
O que é autorregulação da aprendizagem?
Quando falamos de autorregulação, ela pode ser definida de diferentes formas dependendo da perspectiva ou disciplina a que limitamos. No entanto, todas as definições que podemos encontrar geralmente têm algo em comum, o controle de si mesmo em diferentes situações.
A partir desse conceito comum, continuaremos a mergulhar na autorregulação compreendida como o processo pelo qual controlamos nossos pensamentos, impulsos, emoções e ações (Baumeister e Vohs, 2004).
Com base nessa definição, o que seria aplicado à autorregulação em nossas vidas diárias? Se através do desenvolvimento dessa habilidade podemos variar nossa resposta diante de determinadas situações, isso significaria a possibilidade de mudar nosso estado atual para o estado desejado.
Ou seja, se meu estado atual hoje é que eu não estou confortável com meu tipo físico e eu sinto que eu preciso perder alguns quilos, a autorregulação me permitiria variar minha resposta diária à alimentação e ao exercício, obtendo assim o resultado desejado.
Wine (2011) define a autorregulação como um processo de comparação constante entre o estado atual e o desejado que permite reduzir as diferenças e impactos entre ambos. Isso indica que não é uma ação que deva ser aplicada em uma única ocasião, mas pelo contrário, uma habilidade desenvolvida ao longo do tempo.
Autorregulação e os processos cognitivos
Em um estudo de 2016 (Bagetta e Alexander) sobre autoregulação, verificou-se que não havia definição hegemônica, mas atributos presentes na maioria das definições que faziam alusão aos processos cognitivos.
É precisamente nos processos cognitivos onde encontramos a chave para alcançar a variação ou mudança em relação ao estado que desejamos alcanças, uma vez que estes são responsáveis por orientar a ação e comportamento essencial, contribuindo assim para o monitoramento constante e, portanto, a autorregulação.
Bagetta e Alexander (2016) explicam que entre os componentes das funções executivas estão:
- Controle inibitório
- Memória de trabalho
- Flexibilidade cognitiva
Como podemos ver, as funções executivas estão intimamente ligadas à autorregulação que nos permite alcançar nossos objetivos, o que me faz refletir sobre como podemos aplicar a autorregulação da aprendizagem? Como posso desenvolver essa habilidade nos meus estudantes? Sou uma pessoa com essa habilidade desenvolvida?
E, mais importante, antes de passar para o tema da autorregulação aplicada na aprendizagem, a autorregulação pode realmente ser aprendida? Pode ser ensinada?
A autorregulação na aprendizagem
Todos nós fomos estudantes em algum momento de nossas vidas e certamente encontramos inúmeros obstáculos que, às vezes, fomos capazes de superar e em outros obtivemos um resultado indesejado.
Quero que pense naquela disciplina que tirava a sua paz no ensino médio, sobre aquelas atividades que frustraram você ou aqueles conteúdos que não importa o quanto você queria estudar, você nunca as compreendeu completamente.
O que passava pela sua cabeça nessas situações? Quais foram os obstáculos que o impediram de avançar da forma desejada em seu processo de aprendizagem?
A autorregulação na aprendizagem desempenha um papel fundamental no alcance de nossos objetivos. Seja a nota 10 que precisamos para passar em uma matéria, o vocabulário de inglês que precisamos aprender para viajar pelo mundo, ou culminar aquele projeto em que trabalhamos há meses, tudo está intimamente ligado à autorregulação.
Mas o que consiste a autorregulação da aprendizagem? Três décadas de pesquisa levaram a diferentes modelos que visam explicar a autorregulação. Alguns a partir da metacognição, outros a partir da volição, sem deixar de mencionar o emocional.
Na minha perspectiva, cada um deles tem contribuições relevantes que nos permitem analisar o processo como um todo e aplicá-lo em diferentes contextos.
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Autorregulação a partir da metacognição
Um dos modelos mais utilizados para explicar a autorregulação cognitiva, é o modelo cíclico de autorregulação de Zimmerman (2009) que propõe 3 estágios com microprocessos ciclicamente articulados.
Imagine que você entra em um curso de uma língua estrangeira e é atribuído à você uma tarefa de pesquisa e exposição sobre um tema que te interessa.
O primeiro estágio é o planejamento onde, com base nos aspectos motivacionais, a tarefa é analisada e são definidas metas gerando uma estratégia.
Por essa razão, se sua experiência anterior em aprendizagem de idiomas for negativa, sua autoeficácia será reduzida, resultando na evasão.
A segunda etapa consiste na execução, na qual o autocontrole e a auto-observação adquirem grande relevância para manter a concentração e o esforço.
A chave principal para essa etapa é o monitoramento constante, que pode ser feito por meio do autorregistro, o que nos permitirá identificar os obstáculos que nos são apresentados e as estratégias ou subprocessos que estamos utilizando ao longo do caminho.
A terceira etapa é a autorreflexão, na qual são incluídas estratégias de autojulgamento e autorreação, atribuímos nossa participação ao sucesso ou fracasso que determina nossa reação de autossatisfação e inferência adaptativa ou conduta evitativa, o que dá origem às novas etapas de planejamento.
Ou seja, se considerarmos que fomos muito bem no processo, de fato nos sentiremos satisfeitos com todo o esforço realizado e buscaremos nos envolver em outras situações semelhantes.
Em contrapartida, em caso de considerarmos o nosso desempenho como um fracasso, não estaremos satisfeitos com o resultado ou esforço aplicado e evitaremos nos encontrar em situações semelhantes no futuro.
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A autorregulação a partir da volição
Quando realizamos uma tarefa, estudamos para um exame ou trabalhamos em um projeto passamos por um processo que envolve a resolução de conflitos e a gestão de emoções como tédio, frustração, desinteresse ou distração por atividades que possam ser mais prazerosas.
Quantas vezes você deixou um projeto pessoal por falta de vontade? Que decisões você geralmente toma quando tem um obstáculo ou distração no caminho? O que tem mais peso em sua vida, seus desejos ou seus objetivos? Quão persistente você é?
Todas essas questões são importantes quando se trata de entender a vontade de alcançar metas no contexto acadêmico.
O processo volitivo tornou-se operacionalizado como a regulação da motivação e da emoção. (Dewitte e Lens, 1999).
A atitude volicional pode ser entendida como a capacidade de estabelecer uma meta e protegê-la de ações que a dificultam (Kuhl e Fuhrman, 1998). Nesse caso, a persistência, o esforço e a concentração para a determinada atividade entram em jogo.
Vamos pensar que você precisa estudar para um exame de língua estrangeira e você decide seguir o modelo de Zimmerman cognitivamente, então você define como um objetivo estudar todos os dias 1 hora por três meses até dominar os verbos nesta unidade de estudo.
Na primeira semana você cumpre rigorosamente com o seu estudo, mas algo acontece à medida que o tempo passa. Então, na segunda semana você falha apenas um dia e você acha que não vai falhar novamente, você permanece com uma mentalidade positiva, mas na terceira semana você só estuda três dias e pouco a pouco a quantidade de estudo por semana diminui até que praticamente se torne nula.
Quais são os fatores que podem ter interferido? Quais são as falhas no processo volitivo que poderiam ter acontecido?
Falhas no processo volitivo
As falhas da volição são multifatoriais e podem ser acionadas a qualquer momento no processo.
Uma das falhas mais comuns é a ruminação cognitiva. Envolve ter um pensamento recorrente sobre algo que nos preocupa ou nos interessa, o que acaba desviando nossa atenção do nosso objetivo.
Por exemplo, quando você se encontra envolvido em uma situação que o afetou emocionalmente, você pode estar constantemente revivendo-a na sua cabeça se perguntando o por quê isso aconteceu. O que eu fiz de errado? Como faço para corrigir a situação? Realmente tem uma solução? Como devo agir? Isso faz com que você tire sua atenção do objetivo principal.
A indecisão é outra entre as falhas mais comuns. Talvez você tenha experimentado isso com atividades que exigem um certo grau de criatividade. Talvez você esteja indeciso sobre como executar uma apresentação, o que você deseja expressar, o público que você quer abordar, entre outros.
A procrastinação, que, de acordo com o dicionário oxford, significa "adiar uma obrigação ou um trabalho" é uma das falhas que certamente você deve ter experimentado muitas vezes no seu dia a dia. Muitas vezes você nem sabe o motivo de adiar uma tarefa; pode ter se tornado um costume que, dependendo do nosso contexto familiar e social, poderíamos ter adquirido sem nem perceber.
Quantos de nós, para nos adaptarmos ao ambiente social, aprendemos que era melhor realizar as tarefas poucos dias antes da data de entrega com a intenção de não trabalhar muito, de não ter que modificar o que já funcionou ou não dar seu esforço máximo com ajuda de outra pessoa?
Outra falha comum das pessoas é a fraqueza de resistir às tentações. Por isso, apesar de sermos claros sobre nossos objetivos, podemos dar maior importância em assistir aquela série que tanto gostamos ou passar um tempo agradável com a família.
Aqui podemos relacionar com o medo do atraso da recompensa, que ocorre quando não podemos esperar por uma recompensa de longo prazo. Por isso, nos contentamos com gratificações imediatas (distrações) que nos impedem de alcançar os nossos objetivo.
Poderíamos resolver mais falhas no volitivo, mas é conveniente refletir primeiro, qual dessas falhas eu costumo ter nos meus processos de aprendizagem? Que falhas consegui identificar nos meus alunos? E a pergunta que você certamente vai se perguntar: Que estratégias posso usar quando detectar uma das falhas no volitivo?
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Ações contra as falhas volitivas
Kuhl e Fuhrman (1998) propõem a autorregulação e o autocontrole como estratégias para as falhas volitivas, sendo concebidos como modalidades opostas e adaptativas.
O autocontrole é necessário quando o objetivo que buscamos não é sentido por nós, por exemplo, quando temos que entregar uma tarefa que não nos interessa muito, mas sabemos que é uma parte importante para a realização final.
Então, nosso objetivo será realizar a tarefa com sucesso, mas para isso teremos que adiar nossos desejos pessoais, o que pode ser prejudicial ao bem-estar das pessoas quando usado em excesso. (Kuhl e Fuhrman, 1998)
Dentro do autocontrole, atenção, motivação, ativação, emoção e impulsos tendem a ser controlados com o único propósito de alcançar o conjunto de metas.
A autorregulação, por outro lado, poderia ser descrita como o equilíbrio entre os objetivos e desejos de uma pessoa que é usada quando predominam as metas próprias e o afeto positivo.
Quando você decide estudar um novo idioma porque está animado por poder falar com um amigo que conheceu em suas férias, seu objetivo é cheio de afeto positivo e parte de um objetivo próprio, um desejo que permite que você experimente o processo de aprendizagem de outra perspectiva.
Um exemplo de autorregulação é geralmente o estado mais conhecido como "Flow". Já aconteceu com você de estar com foco e motivação total em uma atividade que você gosta, que não sente o tempo passar ou talvez você até esqueça a hora da refeição?
Então, certamente você já experimentou o estado de Flow, considerado um dos pilares básicos da psicologia positiva. (Mihaly Csikszentmihalyi, 2009)
A regulação emocional
Gross (2013) define a regulação emocional como "a ativação de uma meta para regular a magnitude ou duração da resposta emocional, ascendente ou descendente", ou seja, consiste basicamente em mudar a resposta emocional diante das situações que as geram.
Para falar sobre estratégias de regulação emocional devemos entender o ciclo de geração da resposta emocional que Gross propõe e novamente, para não entrar em detalhes da teoria, explicarei o ciclo de geração de emoções a partir de um exemplo simples, veja:
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Seleção da situação
Imagine que você é um aluno que acabou de entrar na universidade e o professor faz uma pergunta a qual você considera saber a resposta. Você pode optar por dizê-la em voz alta e cometer, talvez, um erro, ou você pode decidir se calar e evitar essa situação desconfortável.
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Mudança da situação
Uma vez que selecionamos a situação, quer você diga ou não a resposta, você pode tentar modificar a situação. Por exemplo, dar uma breve explicação do que você vai responder, dizer calmamente ou descartar no final o que você disse como uma correção da situação.
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Implantação emocional
Para não prolongar a sensação de constrangimento ao dizer algo errado, você pode desviar a atenção para outro objetivo, por exemplo, perguntando sobre um tema diferente ou pedindo diretamente para mudar o tema.
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Mudança cognitiva
Caso você não tenha sido capaz de evitar o prolongamento da emoção e continuar sendo o foco da atenção devido à resposta que você deu, você pode se concentrar em mudar sua maneira de pensar. Por exemplo: "um erro não me define". Essa estratégia é conhecida como reavaliação ou ressignificação cognitiva.
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Modulação da resposta
Se você não conseguiu executar a estratégia de reavaliação e o constrangimento invade você, você terá como resultado respostas fisiológicas e comportamentais, de modo que a estratégia de supressão emocional geralmente é usada para modular a resposta à situação, selecionando as palavras e a atitude que você tomará antes dela.
7 estratégias para orientar seus estudantes para a autorregulação
Autores como Pekrun e Perry (2014) afirmam que a ativação emocional impacta a concentração, motivação e estratégias na aprendizagem, então como ajudamos os nossos estudantes nesse processo?
Frenzel e Stephens (2013) explicam que a situação pode ser considerada como bem-sucedida ou fracassada, mas o que realmente gera a emoção é a interpretação que lhe é dada, o julgamento cognitivo que fazemos, de modo que a estratégia de ressignificação cognitiva ou avaliação se torna ainda mais relevante.
Embora seja verdade que introduzir a estratégia de ressignificação cognitiva em nossas vidas para regular nossas emoções é tarefa de todos, como professores podemos ajudar no processo a partir de pequenas mudanças:
- Desafie o potencial do estudante
Revise as atividades que você atribui para que sejam claras, organizadas e que envolvam um certo nível de desafio. Isso aumenta as chances de engajamento. - Feedback
Quando você dá um feedback que exalta as qualidades de seus estudantes e marca os erros para que o aluno não o veja como um fracasso, mas como uma oportunidade de crescimento, isso aumenta a sensação de controle e motivação. - Evite o constrangimento
Evite colocar seus estudantes em situações que possam gerar emoções negativas, como desesperança, tédio, frustração ou tristeza. - Comunicação correta
Use a fala positiva, conscientize-se da linguagem que você usa em circunstâncias que você considera estressante. Lembre-se que as palavras têm um enorme impacto em nosso cérebro e são capazes de mudar a maneira como percebemos o mundo. - Identifique as falhas volitivas
Peça aos alunos para identificar as falhas no processo volitivo e usar estratégias de autocontrole ou autorregulação para combatê-las. - Motive os estudantes
Use frases motivacionais dentro das instruções das atividades que você atribuir, avaliações ou projetos, isso facilitará que seus estudantes se autoinstruam para alcançar os objetivos propostos. - Incentive o progresso na aprendizagem
Inclua em suas atribuições (atividades, projetos ou avaliações) elementos os quais os estudantes possam usar sua criatividade para que percebam seu próprio progresso, conquistas e sucesso.
A autorregulação é um processo pelo qual podemos alcançar qualquer objetivo que tenhamos em mente. Sem dúvida, é uma habilidade essencial para polir para nossa vida pessoal, mas também a nossa vida profissional.
Como professores, temos a obrigação moral de orientar nossos estudantes a alcançarem seus objetivos acadêmicos, por meio das ferramentas e diretrizes que fornecemos. Você acha que a autorregulação pode ser a chave para o processo de aprendizagem em 2023? Qual estratégia você pretende implementar em seu plano de aula?
Referências
Trías, D. & Huertas, J. (2020). Autorregulación en el aprendizaje: Manual para el asesoramiento psicoeducativo. Ediciones UAM. Madrid
Zimmerman, B. J. (2000). Attaining self-regulation. Asocial cognitive perspective. In M.Boekaerts, P. Pintrich, & M. Zeidner (Eds), Handbook of Self-Regulation. San Diego: Academic Press.
Baggetta, P., & Alexander, P.a. (2016). Conceptualization and Operationalization of Executive Function. Mind, Brain, and Education, 10 (February); 10-33. https://doi.org/10.1111/mbe.12100
Gross, J.J. (1988). The emerging field of emotion regulation: an integrative review. Review of General Psychology, 2(5), 271-299. https://doi.org/10.1017.S0048577201393198
Kuhl, J. (1996). Who controls whom when “I control myself”? Psychological Inquiry, 7(1), 61-68.
Pintrich, P.R., & Zusho, A. (2007). Student motivation and self-regulated learning in the college classroom. In R.P. Perry & J.C. Smart (Eds.), The scholarship of teaching and learning in higher education: An evidence-based practice (pp.731-810). Springer US. https://doi.org/10.1007/1-4020-5742-3_16
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