Veja a importância das soft skills na educação superior, destacando sua relevância crescente no mercado de trabalho, e estratégias para desenvolver as competências nos alunos. 

  1. A constatação de que as soft skills são importantes não é nova
  2. Evidências atuais demonstram que a importância das soft skills vem aumentando  
  3. O novo panorama das soft skills demandadas no mercado de trabalho
  4. Como desenvolver soft skills no ensino superior

Olá a todas, a todos. Esta é minha primeira contribuição para o Blog da Pearson Higher Education e quero começar expressando minha animação por fazer parte deste time e participar deste debate qualificado. Espero ser bem-sucedido em trazer conteúdo relevante e interessante para você.  

Já faz alguns anos que venho estudando o desenvolvimento de lideranças, a importância das soft skills para o sucesso do estudante ao longo de sua carreira, assim como estratégias para o desenvolvimento integral destas competências. Sendo assim, estas são as temáticas que estarão presentes em nossos encontros mensais e nada mais apropriado para começar esta conversa do que uma reflexão sobre a importância de se trabalhar as soft skills no ensino superior. Acompanhe!

A constatação de que as soft skills são importantes não é nova  

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Em The Constitution of Liberty (1) obra que veio a se firmar como uma das mais importantes do autor, o economista austríaco Friedrich Hayek alerta o leitor, já na introdução para o fato de que novas gerações precisam criar palavras novas muitas vezes para expressar ideias que já existiam. Dizia Hayek “[S]e antigas verdades devem manter seu domínio sobre as mentes das pessoas, elas precisam ser reformuladas na linguagem e nos conceitos das gerações sucessivas”.  

Algo parecido talvez tenha acontecido com a ideia de soft skills. Em 1918, a pedido de grandes universidades estadunidenses e da sociedade nacional de engenharia, Charles Riborg Mann publicou A Study of Engineering Education (2), onde analisava os currículos das principais escolas de engenharia dos EUA, as demandas do mercado de trabalho e eventuais inconsistências entre eles.  

Para coletar os principais fatores que contribuíam para o sucesso de um engenheiro ao longo de sua vida profissional, Mann conduziu entrevistas e pesquisas com milhares de profissionais e, com base nestes levantamentos, chegou a uma conclusão que, para a época, era inusitada, mas que, para quem lê o relatório 100 anos depois, não surpreende tanto. Em suma, Mann afirmava que “qualidades pessoais como bom senso, integridade, engenhosidade, iniciativa, tato, meticulosidade, precisão, eficiência e compreensão das pessoas são universalmente reconhecidas como sendo tão necessárias a um engenheiro profissional quanto o conhecimento técnico e a habilidade”.  

É fácil reconhecer nessas qualidades pessoais o que hoje chamamos de soft skills. É claro que há uma diferença essencial entre denominar esses traços como qualidades, ou como habilidades. Se é uma qualidade, pode-se argumentar que ou a pessoa a possui, ou não. Uma habilidade, por outro lado, sempre pode ser desenvolvida ou aprimorada. Ainda assim, com uma nova roupagem, estamos falando da mesma coisa - e hoje temos a certeza de que qualquer pessoa pode desenvolver e fortalecer qualquer uma dessas características.  

Mas seria injusto tratar a visão de Mann sobre essas qualidades como algo imutável, tanto que ele propõe, em seu relatório, várias formas de desenvolver esses requisitos. Não só isso, muitas das sugestões dadas por Mann soam contemporâneas. Voltaremos a esse ponto mais à frente. 

Nova call to action

Evidências atuais demonstram que a importância das soft skills vem aumentando  

Fazendo referência a estudos referências, a jornalista Sandra Moreira, em artigo na Revista Ensino Superior (3) afirma que “77% dos jovens são dispensados por falta das competências socioemocionais”. Como disse Hayek, atualizamos a linguagem, mas a verdade subjacente continua a mesma.  

O Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum - WEF) publica a cada três ou quatro anos um relatório muito importante para quem deseja acompanhar as tendências em termos do que vem sendo demandado pelo mercado de trabalho. A seguir, farei uma breve análise dos dois relatórios mais recentes, o de 2020 (4) e o de 2023 (5).  

Um dos pontos mais divulgados desses relatórios foi a lista de competências demandadas pelos líderes empresariais entrevistados. Como pode ser visto abaixo, de 2020 para 2023, o número de competências que podem ser consideradas soft skills aumentou significativamente, ultrapassando o número de hard skills mencionadas:  

Categoria 

2020  

2023  

Soft Skills  

Aprendizagem ativa e estratégias de aprendizagem; 
Criatividade, originalidade e iniciativa; 
Liderança e influência social; 
Resiliência, tolerância ao estresse e flexibilidade.  

Confiabilidade e atenção aos detalhes; 
Curiosidade e aprendizagem ao longo da vida; 
Empatia e escuta ativa; 
Gestão de talentos; 
Liderança e influência social; 
Motivação e autoconsciência; 
Orientação de serviço e atendimento ao cliente; 
Pensamento criativo; 
Resiliência, flexibilidade e agilidade.  

Hard Skills  

Design e programação de tecnologia; 
Pensamento analítico e inovação; 
Pensamento crítico e análise; 
Raciocínio, resolução de problemas e ideação; 
Resolução de problemas complexos; 
Uso, monitoramento e controle de tecnologia.  

Controle de qualidade; 
Design e experiência do usuário; 
IA e big data; 
Literacia tecnológica; 
Pensamento analítico; 
Pensamento sistêmico. 

Fonte: (4) e (5), tradução e compilação do autor.

A quantidade, no entanto, não traduz adequadamente a diferença entre os dois relatórios. O relatório de 2023 mais recente evidencia uma expansão significativa na variedade das soft skills consideradas essenciais, introduzindo novas competências que refletem as mudanças dinâmicas no ambiente profissional global.  

Antes de aprofundar as considerações sobre as soft skills, é importante observar que o relatório de 2023 mantém um equilíbrio cuidadoso com as habilidades técnicas e analíticas. Isso indica que o mercado de trabalho continua a valorizar um conjunto diversificado de competências, reconhecendo que o sucesso profissional frequentemente depende da combinação harmoniosa entre habilidades interpessoais e expertise técnica. Esse destaque talvez seja desnecessário, mas é melhor evitar o possível mal-entendido de que as competências técnicas deixaram de ser importantes.  

Feito o alerta, o que se segue trata exclusivamente das soft skills.  

Leia também: 👉 Soft skills no ensino superior é estratégia para a competitividade

O novo panorama das soft skills demandadas no mercado de trabalho   

Percebe-se que foram incorporadas habilidades como curiosidade e aprendizagem ao longo da vida (Lifelong Learning), sugerindo uma crescente valorização de competências que promovem adaptabilidade, inovação e conexões interpessoais mais profundas no ambiente de trabalho. Embora essas qualidades já fossem mencionadas, talvez indiretamente, em 2020, o relatório mais recente as coloca em destaque ainda maior, sublinhando a necessidade de profissionais capazes de se reinventar e adquirir novos conhecimentos rapidamente em um cenário de constantes mudanças tecnológicas e organizacionais.  

Paralelamente, observa-se a permanência de certas soft skills cruciais em ambos os relatórios. Criatividade, liderança e influência social, bem como resiliência e agilidade, mantêm-se como pilares fundamentais, reforçando sua importância duradoura no cenário profissional em constante evolução. Essa continuidade indica que, apesar das mudanças rápidas no mercado de trabalho, algumas competências permanecem indispensáveis para o sucesso profissional a longo prazo.  

O relatório de 2023 também demonstra uma ênfase acentuada em habilidades interpessoais e emocionais. A inclusão de empatia, escuta ativa e orientação para serviços reflete uma crescente conscientização sobre a importância das interações humanas significativas, mesmo em um mundo cada vez mais digitalizado. Essa tendência sugere que as organizações estão reconhecendo o valor das conexões autênticas e da compreensão mútua para impulsionar a colaboração e a inovação.  

A evolução das habilidades de autogestão também merece destaque. O relatório mais recente introduz conceitos mais refinados, como motivação e autoconsciência, além de confiabilidade e atenção aos detalhes. Essa mudança sugere uma compreensão mais refinada da importância da autorregulação no ambiente de trabalho, especialmente considerando o aumento do trabalho remoto e a necessidade de maior autonomia.  

Um aspecto intrigante é a crescente integração entre soft skills e habilidades técnicas. A inclusão de "design e experiência do usuário" no relatório de 2023, embora não classificada estritamente como uma soft skill, aponta para uma tendência de valorização de abordagens que combinam expertise técnica com considerações humanas e centradas no usuário. Essa integração reflete a complexidade crescente dos desafios enfrentados pelas organizações, que demandam soluções que sejam tanto tecnicamente sólidas quanto intuitivas e acessíveis.  

Resumindo, a evolução observada entre os relatórios de 2020 e 2023 revela uma clara tendência de valorização de habilidades que promovem adaptabilidade, aprendizado contínuo e interações interpessoais mais eficazes. Essa mudança parece ser uma resposta às transformações aceleradas no ambiente de trabalho, possivelmente influenciadas por fatores como o aumento do trabalho remoto, a rápida evolução tecnológica e a necessidade de maior resiliência em face de incertezas globais.  

No entanto, uma coisa é identificar uma tendência, outra coisa é conseguir implementar ações de fato em linha com as mudanças. Neste caso, as ações visam acelerar o desenvolvimento das soft skills durante o curso. Afinal, temos dois, quatro ou mais anos de presença dos jovens em nossos campi ou em nossas plataformas de aprendizagem. Como seria possível utilizar esse tempo para acelerar esse desenvolvimento?  

Como desenvolver soft skills no ensino superior   

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Para começar esta seção, será retomado o texto de Mann sobre o currículo dos cursos de engenharia nos EUA lá no distante ano de 1918. Reconhecendo a necessidade de trabalhar características não-técnicas, Mann defendia que os programas precisavam encorajar o crescimento de características essenciais para o engenheiro, como caráter, capacidade de julgamento, eficiência e compreensão das pessoas.  

Isso poderia ser feito tanto por meio da introdução no currículo de novas disciplinas de humanidades, como por meio do trabalho. Mann era grande entusiasta da parceria entre a universidade e a indústria e sugeria que os estudantes tivessem contato direto com o trabalho real, por meio de estágios e cooperação com empresas, desde que devidamente supervisionados pela escola e integrados às atividades acadêmicas. Os cursos deveriam utilizar problemas reais, preparando os s para os desafios que encontrarão no mercado de trabalho. Para isso, era essencial que os próprios professores tivessem experiência prática e estivessem em contato com a indústria, mantendo os currículos atualizados. Como foi dito acima, soa bastante atual, não é?  

Na época do A Study of Engineering Education, para se trabalhar temas como caráter, talvez não houvesse outro recurso que não a inclusão direta em sala de aula. Atualmente, no entanto, temos à disposição recursos tecnológicos que podem auxiliar nessa tarefa. Portanto, o professor contemporâneo pode-se valer de recursos dentro e fora de sala de aula para fomentar o desenvolvimento de competências socioemocionais.  

Em sala de aula, técnicas como aprendizagem por problemas e por projetos, que estimulem o trabalho em grupo, podem ser de grande valia. Mas, um recurso valioso que não deve ser deixado de lado é o apoio da tecnologia. Cursos autoinstrucionais focados, com trilhas de aprendizagem e desafios bem definidos se mostram eficazes, desde que conectados adequadamente com os objetivos de aprendizagem.  

John Dewey já defendia (6) que a aprendizagem ocorre quando os alunos se envolvem em experiências significativas que os levam a refletir, questionar e construir ativamente novos conhecimentos e habilidades.  

De acordo com esse ponto de vista, o professor tem um papel fundamental no desenho de experiências que realmente fomentem a aprendizagem. Bons recursos digitais, devidamente ancorados no planejamento e eventualmente resgatados em outras atividades em sala de aula apresentam esse potencial.  

Essa primeira coluna termina, portanto, com um chamado à reflexão. Você que me honra com ter persistido até aqui em sua leitura, identifica, em sua escola, um movimento deliberado, estruturado, de desenvolvimento de soft skills em todos os programas? Não teria chegado o momento de investir estrategicamente nesse sentido? Como você, professor, professora, gestor e gestora acadêmica, pode influenciar sua instituição a ajudar os seus estudantes a ser ainda mais bem-sucedidos?  


Nova call to action

Referencias

(1) Hayek, F. A., & Hamowy, R. (2020). The constitution of liberty: The definitive edition. Routledge.  
https://www.taylorfrancis.com/books/mono/10.4324/9781138400047/constitution-liberty-hayek-ronald-hamowy 
(2) Mann, C. R. (1918). A STUDY OF ENGINEERING EDUCATION (BULLETIN NUMBER ELEVEN). NATIONAL ENGINEERING SOCIETIES.  
(3) Moreira, S. S. (2024, setembro 2). Competências socioemocionais são inadiáveis. Revista Ensino Superior.  
https://revistaensinosuperior.com.br/2024/09/02/competencias-socioemocionais-sao-inadiaveis/ 
(4) The Future of Jobs Report 2020. ([s.d.]). World Economic Forum. Recuperado 11 de setembro de 2024, de https://www.weforum.org/publications/the-future-of-jobs-report-2020/  
(5) The Future of Jobs Report 2023. ([s.d.]). World Economic Forum. Recuperado 11 de setembro de 2024, de https://www.weforum.org/publications/the-future-of-jobs-report-2023/  
(6) Dewey, J. (2023). Experiência e educação. Editora vozes.  

Alexandre Gracioso
Alexandre Gracioso

Profissional com mais de 20 anos de experiência no ensino superior. Especializou-se em aprendizagem, desenvolvimento de competências socioemocionais e formação de líderes. De natureza inquieta, procura estar sempre atualizado das principais tendências referentes ao desenvolvimento humano e competências para o mercado de trabalho. Em suas atividades docentes, procura equilibrar a abordagem pessoal com as possibilidades tecnológicas. Recentemente, tornou-se sócio da Ideasense, empresa focada no desenvolvimento de Life Skills em organizações.

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